sexta-feira, 15 de abril de 2011

Todo mundo viu

Todo mundo viu aquele homem pular da ponte
E beijar o concreto cinza do cotidiano
E esparramar o vazio colossal do peito
No profundo abismo da própria alma
Todo mundo viu um corpo e um RG se apagando
E este espetáculo mágico de vida
Trouxe à superfície de suas consciências
A idéia pouco conveniente da própria morte
E a única conduta constatada
Foi o desaceleramento gradual dos carros na avenida
E o enxame inerte de sonolentos curiosos

Todo mundo viu aquela mulher ser violada
E suportar as investidas venéreas
No colo macio de seu útero.
Irreversível.

Todo mundo viu o indivíduo vestir a máscara da insanidade
Caminhar armado pelo corredor da escola
E da nuvem negra de sua intenção
Chover sangue inocente nas lousas do abecedário

Todo mundo viu aquele político gordo
Que forra as cuecas com o alimento do povo
Enfiar o membro esponjoso na Constituição
E esbanjar extravagâncias em solo caribenho

Todo mundo viu aquela criança comum
Trepada na teta gorda da mãe
Sugando o leite quente da civilização
Aprendendo o alfabeto, aprendendo a contar
E as regras imprescindíveis das boas maneiras
E a consumir, e a trapacear
E a observar o mundo sucumbindo em chamas
Calado em frente à televisão

Caro leitor,
Não é preciso um ensaio sobre a cegueira
Para saber que esses cegos podem ver
Todo mundo viu, mas quem viu desviou o olhar
E por que viu tudo e nunca fez nada
Merece a herança caótica da Humanidade

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